O dia que meu aluno leu




Pessoal sou professora há muitos anos e vivi experiências maravilhosas na área da educação que resolvi compartilhar.  Vou começar contando algumas que vivi a mais de 18 anos, ok.

Bem esta aconteceu quando eu dava aula numa escola particular bem pequena numa comunidade carente, minha turma era de 15 ou 17 anos não me lembro ao certo. Acho que eu poderia dizer que nesse dia, que infelizmente não me recordo à data, eu chorei e me dei conta que eu havia nascido para ser professora.

O dia que meu aluno leu

        Já passava do mês de outubro, eram dias de muita correria, pois o fim do ano estava chegando e havia provas para preparar, muitas lembrancinhas para fazer...  devido a enorme quantidade de datas comemorativas próximas uma das outras, bem eu não entendo como é possível cumprir o plano de curso com tanto feriado,  mas como dizia era uma correria e em meio a tudo isso lá estava eu com meus 18 aninhos trabalhando com uma turma de pré escola, mais conhecido como Jardim de Infância.  Eram crianças lindas cheias de sede de conhecimento e alguns muito carentes de atenção e carinho. 

        Apesar de estar trabalhando como professora tinha acabado de terminar o ensino médio e não sabia ainda que profissão iria seguir mas tinha absoluta certeza de que iria entrar na faculdade, como a maioria dos adolescentes, bem surgiu a oportunidade de ser estagiária nessa escola e perante o meu potencial a dona resolveu me dar a chance de lecionar. Claro eu era mão de obra barata visto que era nova e sem experiência.

        Assim que assumi a turma me deparei com um desafio ensinar as vogais, alfabeto, números de 1 a 10 e claro o nome todo para aquelas crianças de quatro que iriam completar cinco anos.  Vários pais ajudavam os filhos em casa, porém pelo menos cinco não tinham ajuda alguma e ao longo dos meses notei que um apresentava um comportamento incomum, este era Michael.

        Michael era meigo, esperto, participativo e criado por uma avó que o amava demais o único problema  era que ela era quase analfabeta, devido a isso não o ajudava com os deveres de casa. Logo que peguei a turma procurei não apenas ler as fichas dos alunos que em sua maioria haviam estudado ali o ano anterior, mais me interar pessoalmente sobre a vida de cada aluno afinal a vida familiar e as condições econômica interferem na educação de uma criança. Bem Michael não faltava às aulas, porém o que ele aprendia num dia ele esquecia no outro, era uma luta constante. Ele era o mais atrasado parecia que nada ficava na cabeça dele, nem mesmo o nome dos colegas.

        Como eu disse tinha acabado o ensino médio numa escola particular que paguei parcialmente com meu trabalho de estagiária feita na instituição,  não fiz formação de professores e sim informática, pois sempre foi me dito que “professor passa fome”, dessa forma na hora de optar pela área de interesse eu escolhi informática que na época era a profissão do futuro. De forma que ao me depara com o Michael e sua dificuldade, recorri aos estudos, passei a estudar fui até procurar amigos que haviam feito magistério para buscar auxilio para ensiná-lo.  É claro que procurei saber da professora do ano anterior se ela tinha notado esse “problema” no menino. Tamanha foi a minha surpresa ao saber que não só notou como o deixou de lado, dando a ele desenho para pintar e desenhar o ano todo, pois pra ela como ele não tinha pais para fazer os deveres de casa, como ele era criado pela avó tão pouco podia ajudar era inútil fazer alguma coisa.

        Eu resolvi apostar numa postura diferente da outra professora, creio eu que aquele era o meu primeiro caso de dislexia, sabe o comportamento era muito parecido, até mesmo as reclamações como dor de cabeça e claro a falta de capacidade de decorar. Resolvi adotar aulas mais dinâmicas com muitos jogos, competições e muita música tive que pegar uma pasta e decorar.  Bem reduzi os deveres de copiar e aumentei os que havia participação oral para que ele pudesse interagir mais.  Uma estratégia que adotei foi a de separar 10 minutos todos os dias durante o recreio para fazer o dever com ele pegando na mão visto que não havia aprendido coordenação motora no ano anterior. Ele era duas vezes na semana meu ajudante auxiliando ensinando os outros as músicas, isso era uma aptidão natural dele.

        Quando estava chegando outubro estava com milhões de jogos feitos, eu digo milhões, pois eram várias caixas de sapatos cheios de dominós de letras, sílabas, quebra-cabeças, fantoches, livros infantis que comprei sabe naquela época não existia internet então era bem mais difícil juntar esse material, a sala de aula tinha outros vários materiais construídos por mim eram tantos que guardei em casa vários. Quando ia ensinar uma música falava pausadamente olhando para Michael gesticulando, fazendo letra por letra eu nem sabia mais já estava aplicando o método fônico. Pessoal ser professor não é profissão é vocação. 

        A turma aprendeu as vogais, as consoantes, os números e o nome completo, porém Michael ainda não escrevia o primeiro nome aquilo me cortava o coração, foi quando tive a ideia de fazer ursinhos como crachás, sabe todos iguaizinhos mudando apenas o nome, ao invés de simplesmente entregar eu pedia para Michael entregar. Eu fazia assim: chamava o nome, a criança levantava, entregava ao Michael o crachá e ele entregava a criança. Ao longo dos dias as crianças foram reconhecendo as letras, as sílabas e os nomes.  Até o Michael já reconhecia o nome dos colegas e não esquecia mais. Após dois meses fazendo isso, num lindo dia de outubro ele chegou pra mim com sua ficha de nome na mão, pois eu estava ensinando o nome completo de forma que fiz fichas com cartolina para todos, e me disse: “tia o meu nome está escrito errado”, naquele momento olhei para ele assustada não conseguia acreditar no que estava ouvido “como assim?” perguntei, e ele pegou a ficha do colega e mostrando me disse: “ tia meu nome é Michael e não Maicom (forma oral do nome) pois a ficha do Michel é igual a minha só muda o “a” então a senhora ta falando o meu nome errado ou escreveu errado”.  Gente foi inevitável a lágrima rolou pelo meu rosto e eu dei um abraço no meu menino, ele não apenas agora sabia copiar o nome, mas o mais importante ele estava lendo. Ler é muito mais que decorar e questionar.

Como disse Paulo Freire:
“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.”

        Ao final do ano é claro que Michael conseguiu aprender o nome e sobrenome, mas o mais importante é dizer que descobri naquele momento eu descobri a minha vocação e o meu lugar no mundo.

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